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Bicicleta

Johnny Taira
3 min readJun 29, 2019

“É igual andar de bicicleta. Você nunca esquece.”

O maldito sempre vem com essas frases clichê, tanto que às vezes ele parece uma máquina ambulante criadora de imagens motivacionais do Instagram. Fico a imaginar se ele mesmo acredita nessas coisas que sempre me afirma, com um otimismo irritante que o faz parecer intransponível diante do caos do mundo. E a merda é que ele quase sempre está certo e eu que exagero nas minhas reações. Alguém um dia leu meu mapa astral e somente me falou “Rapaz…”. Será que esses dois fatos se completam?

Enfim, nada disso importa. O mais importante é que ele me olha sorrindo com os olhos e me diz uma coisa dessas, depois de ler umas linhas e eu reclamar para ele que desaprendi totalmente a escrever algo que não fosse uma lide. “Você não desaprendeu. É igual andar de bicicleta. Você nunca esquece.”

Não é possível que ele esteja certo nessa também. E não é possível que isso sirva de consolo para alguma pessoa e não soe como mera condescendência da parte de quem fala. Acho que eu nunca desaprendi a andar de bicicleta. Isso é fato. Mas a real é que, depois daquele dia que a Mariana me ensinou a me equilibrar naquele negócio de duas rodas, eu só voltei a usar uma bicicleta duas vezes, no máximo. Demorei vinte e sete anos para não passar mais vergonha toda vez que alguém me chamava para dar uma volta de bike numa manhã de domingo — eu sempre inventei uma desculpa para não ir e postergar a descoberta de que eu seria um aprendiz tardio no ofício da bicicleta — e nunca mais me chamaram para pedalar por aí. Devem ter se cansado de me convidar. Lhes entendo. Mas a real é que eu não desaprendi, desde então. O guidão dá uma vacilada às vezes, mas eu retomo meu rumo.

Lembro-me de coisas que desaprendi desde que me conheço como gente. Quando eu era uma criança, sabia perfeitamente dar uma estrela. Era tão divertido, ver o mundo de ponta cabeça por um instante e voltar para a posição normal em relação ao horizonte. Também conhecia as capitais dos vinte e seis Estados do Brasil e do Distrito Federal. Decorei todas as trapaças e senhas de um certo jogo de videogame. Dava mais de vinte embaixadinhas com os dois pés. O que aconteceu comigo, era uma criança tão habilidosa e virei…isso? Tudo bem, eu sei cozinhar e usar o Photoshop. Mas facilmente trocaria essas duas habilidades só para voltar a dar estrela.

O ponto não é esse, de todo modo. O ponto é que eu pensei muito em chegar e rebater esse papinho barato de que escrever dois dedos de prosa é como andar de bicicleta. Só que… escrever não é como dar estrela. Ou decorar trapaças de videogames. Ou aprender capitais do Brasil. Ia soar tão estranho também. “Ahhhh, você tá errado, viu? Podia trocar sua frase clichê por um 'escrever é igual dar estrela. Um dia cê pode desaprender’”, só sei que depois dessa eu poderia definitivamente me declarar como derrotado nesse debate tão infantil. Apenas sei que esse lugar comum me ganhou no cansaço. Porém, também não consigo me convencer de que eu vá reaprender a ser criativo nas minhas narrativas. Ou que recupere minhas habilidades como um cronista. Ou que volte a ter tesão em escrever, simplesmente, sem enxergar de forma tão instrumentalizada. “Trabalhe com o que gosta e desgostará do seu hobby também.” Pelo amor de deus, viu.

Respiro fundo. “Sim, eu sei. É só um bloqueio criativo mesmo.” Mentalmente declaramos empate. Puxo qualquer assunto com ele.

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Johnny Taira

Estudante de Jornalismo. Desenvolvedor. De vez em quando escreve no Medium. Contato: taira.jyundi@gmail.com