Ao vento

Johnny Taira
3 min readFeb 18, 2021

Eu não desacredito em astrologia.

Isso significa que acredite nela? Não, necessariamente. Talvez começou como uma despretensiosa forma de sustentar algum assunto numa conversa igualmente leve e trivial. O fim disso: hoje vivo o inferno astral, mesmo não botando tanta fé que a posição das estrelas poderoam influenciar nos dias bons e ruins da minha vida.

Meus janeiros e fevereiros eram bons. As férias na faculdade ou na escola proporcionavam ótimos momentos de relaxamento. Podia procastinar à vontade, sem aquele sentimento de obrigação e de prazos apertados pairando no ar. Mesmo quando comecei a trabalhar, o início do ano representava aquela farofada típica do brasileiro que, no fundo, começa o seu ano depois do carnaval. Uns com mais intensidade, outros com menos. Mas os janeiros e fevereiros eram, para mim, meses de calma, maré parada e festa.

Mãe e irmã também são aniversariantes dos primeiros meses do ano. Razão para mais comemoração. Enfim, eram bons dias. Mas cem mentiras se transformaram numa verdade e “como assim você não tem inferno astral? Cara, ano passado aconteceu tanta desgraça no mês anterior ao meu aniversário que você nem acredita". Pois hoje acredito, minha amiga.

A comunicação não flui e os vácuos nos grupos se tornam frequentes. Minhas palavras se transformam em leves deformidades que se perdem ao soprar do vento. Começo a questionar o significado do meu próprio aniversário. Se me ignoram, por qual razão o dia do meu nascimento é relevante? Como uma Britney Spears em 2007 — só que no âmbito virtual — decido remover qualquer referência ao meu aniversário.

Já se passaram três anos que eu pensei em comemorar os meus vinte e poucos que, aos poucos, se transformam em vinte e muitos. Mas o medo do esquecimento virtual acessa as rachaduras da vida física e, com ela, as inseguranças. Desisto de querer comemorar. Por quê? Para quê? “Não ligo muito para datas comemorativas", é o que afirmo. Bloqueio emocional ocorrendo a todo vapor. Fecho a cara e grito que não ligo, mas a verdade é que choro no banho.

No espectro emocional, começo a perceber que um homem de gravata e cara de tonto se aproxima de mim. Michael Scott grita THAT WAS SHE SAID repetidamente e a triste constatação vem à tona. Não por acaso, ele também é de peixes.

Porra, eu não acredito em astrologia!

Conto os dias para que a minha estadia no mundo complete mais uma rotação inteira em torno do sol. Com a iminência da data, o emocional em frangalhos vai ganhando uma estrutura minimamente sustentável. Me recupero e no dia seguinte estou bem. Ganhei alguns parabéns. Bem menos que há algum tempo atrás, quando eu me alegrava com as notificações do Facebook me felicitando. Hoje em dia, pouca paciência me resta para responder de forma genérica o parabéns tudo de bom de gente com quem não falo há cinco anos. Mas a magia e maldição da astrologia se concretiza. O dia posterior é melhor. Mais leve. Se foi a pressão que eu mesmo criei em uma data a qual supostamente pouco me importa.

Poderia dizer que o inferno astral não existe, que estou bem porque fui bem tratado no meu aniversário e que as pessoas que me amam são, no fim, as que importam.

Mas ano que vem estarei, mais uma vez, necessitado de atenção e às voltas com as minhas próprias paranóias. Será outra temporada de inferno astral.

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Johnny Taira

Estudante de Jornalismo. Desenvolvedor. De vez em quando escreve no Medium. Contato: taira.jyundi@gmail.com